sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Ndjira devolve 16 títulos seus ao convívio dos leitores

A Ndjira procedeu recentemente à reimpressão de 16 títulos de parte dos seus autores consagrados. São obras de Aldino Muianga, Daniel da Costa, João Paulo Borges Coelho, Mia Couto e Paulina Chiziane.

    Os livros reimpressos regressam ao convívio dos leitores com um toque renovado resultado da concepção de capas, uma novas e outras recriadas. São contribuições de pintores como Malangatana, Gemuce e Luís Cardoso. Fotografias de Ricardo Rangel, Madyo Couto e Ernest Schade. Concepções gráficas de José Forjaz, João Roxo, Belmiro Armando, Osório Chiwanga, Omaia Panachande, bem como as ilustrações de Filipe Branquinho.

        Dentre os títulos reimpressos o destaque vai para 7 ª edição de Terra Sonâmbula de Mia Couto. Por sinal esta é provavelmente a obra moçambicana mais lida e traduzida em todo mundo. De Mia Couto reimprimiu-se ainda O Último Voo do Flamingo, O Outro Pé da Sereia, A Varanda do Frangipani, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, de entre outros. Figuram ainda O Alegre Canto da Perdiz, Balada de Amor ao Vento e Ventos do Apocalipse  de Paulina Chiziane,  As Visitas do Dr. Valdez, Campo de Trânsito, Setentrião e Meridião de João Paulo Borges Coelho, Meledina ( ou a história duma prostituta) de Aldino Muianga e A Ciência de Deus e o Sexo das Borboletas de Daniel da Costa.
    O regresso destas obras constitui para a Ndjira e renovação do compromisso com os seus leitores e o público em geral. De referir que em 14 anos de actividades a Ndjira já publicou perto de duzentos títulos de 92 autores e 3 tradutores. Vezes houve que leitores escreveram emails, cartas e, em sessões de lançamento pergunta(ra)m por estes e outros livros esgotados.
       De referir que quer as obras inéditas, quer as reimpressas surgem agora integradas em colecções, a saber:
- Poesia.......................   Colecção Asa do Sonho               
- Contos infanto-juvenis....   Colecção Palavra Encantada       
- Conto e Crónica....................   Colecção À Volta da Fogueira   
- Romance e Novela.......................   Colecção Ondas do Índico        
- Estudos, Ensaios e Memórias.............   Colecção Horizonte da Palavra  

Este gesto surge no ano em que a Ndjira realizou a 1ª edição de Escritas no Índico- salão do livro de Maputo, um evento anual que pretende ser transversal, no sentido que reunirá futuramente editores, escritores, poetas, livreiros nacionais e estrangeiros.
    Para todos que contribuiram para a concretização desta empreitada vai o nosso fundo agradecimento.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Contravenção - Prémio José Craveirinha 2009

O Olho de Hertzog - Entrega do Prémio


O OLHO DE HERTZOG
João Paulo Borges Coelho

A cerimónia de entrega do Prémio LeYa teve lugar no passado  dia 4, de Março na residência do embaixador de Portugal em Maputo.
O escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho recebeu o troféu das mãos do Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, na presença do Primeiro Ministro de Portugal, José Sócrates. O Prémio LeYa 2009 distinguiu, na sua segunda edição, a obra O Olho de Hertzog.

A cerimónia contou ainda com a presença do presidente do Júri do Prémio LeYa, Manuel Alegre e do Administrador do Grupo LeYa, Isaías Gomes Teixeira. 

Recordamos que a distinção da obra O Olho de Hertzog foi anuciada em Outubro do ano passado, em Portugal. Por sua vez, a primeira edição distinguiu a obra O Rastro do Jaguar, do escritor brasileiro Murilo de Carvalho.
Segundo se lê na acta do júri, presidido por Manuel Alegre,  descreve-se esta obra inedita como sendo um romance que restitui-nos o contexto histórico dos combates das tropas alemãs contra as tropas portuguesas e inglesas na I Guerra Mundial, na fronteira entre o ex-Tanganica e Moçambique, o confronto entre africânderes e ingleses, a emigração moçambicana para a África do Sul, a reacção dos mineiros brancos, as primeiras greves dos trabalhadores negros e a emergência do nacionalismo moçambicano, nomeadamente através da imprensa e dos editoriais do Jornalista João Albasini. O júri considerou ainda esta obra como sendo um romance de grande intensidade, em que se conjugam a complexidade das personagens, a densidade da trama narrativa e a busca de O Olho de Hertzog, que é, de certo modo, uma metáfora da demanda do destino individual e colectivo e do nunca desvendado mistério do ser.

Recordamos que João Paulo Borges Coelho foi distinguido com Prémio José Craveirinha, edição de 2005 - o maior galardão da literatura moçambicana pela obra As Visitas do Dr. Valdez..





Discurso de Aceitação do Prémio Leya 2009

Desde tempos recuados que o continente africano se tornou famoso como fonte de matérias-primas. Por elas se matou e se morreu. No princípio foi o ouro da bíblica Ofir e do Mwenemutapa, depois o marfim, o corno de rinoceronte capaz de operar maravilhas no Oriente, e até a energia humana por meio do hediondo comércio de escravos e dos trabalhos forçados. África forneceu pois, ainda que de forma involuntária e nem sempre com proveito, o combustível das grandes revoluções que fizeram o mundo avançar para aquilo que é hoje. À medida que este avançava, novas matérias-primas nela foram sendo descobertas, assim como se apuraram novas maneiras de as pesquisar: o cacau e a borracha, o petróleo, os diamantes, e até o coltan, o chamado “ouro azul” do sul do Congo, sem o qual os notebooks e os telefones celulares não poderiam funcionar.
Todavia, há uma matéria-prima que desde sempre foi passando despercebida às pesquisas, apesar das esforçadas expedições, da sofisticação das análises e dos testes, dos radares e sondas, enfim, dos satélites.

A matéria-prima a que me refiro, em estado bruto parece uma pedra vulgar em nada distinta das outras pedras. É uma pedra feita das histórias das pessoas deste país Moçambique, e desta região: dos seus desejos e sonhos, das suas memórias e disputas, dos lugares que habitam e do que fazem no seu dia-a-dia – enfim, da vida que têm. Talvez (e porque é esta a ordem do mundo enquanto a não conseguirmos mudar), uma pedra mais despojada, mas ainda assim capaz de uma beleza e força singulares.

A par de me desbravar os meus próprios interiores e de me confrontar com a minha própria língua, entendo a escrita literária como o ofício de polir essa pedra. Todavia, dado que para polir cada pedra há primeiro que achá-la, é um ofício que depende também, em grande medida, de mestres garimpeiros. No meu caso tem havido muitos, e quero deixar aqui o nome de três.

O primeiro nome é o de Joaquim Soto, velho camponês das montanhas de Chimanimani, que em certa data do longínquo ano de 1970 que já não consigo precisar, me abrigou de uma chuva torrencial na sua palhota, comigo partilhou o seu milho assado, me ofereceu uma esteira e uma capulana com que passar a noite, ao mesmo tempo que me chamava de seu neto. Revelando-me como vivia e como pensava, entregava-me, com paciência e generosidade infinitas, uma pequena pedra para que eu a polisse.

O segundo nome é o de Suzé Mantia, que no início da década de 1980, nas aldeias de Mavago, Chilolo e Nkalapa, me ensinou o significado do som de cada tambor e como se montava a armadilha dos pássaros; e me indicou a específica rocha, junto ao rio, onde Samora e Josina se sentaram a descansar, a meio da difícil marcha para sul. Em palavras cantantes de uma minúcia real e ao mesmo tempo imaginária, descreveu-me os acontecimentos todos que couberam dentro desse dia. Lenhador fortíssimo, capaz de derrubar uma árvore grossa com três machadadas, era também o marceneiro exímio que fabricava uma porta com pormenores de espantosa subtileza. Homem de um riso límpido como nunca vi igual, e que infelizmente a malária levou.
O terceiro nome é o de Joaquina Mboa, camponesa e sacerdotisa da aldeia de Bawa, que em meados da década de 1990 me contou a saga do Kanyemba, velha de mais de cem anos, com uma precisão que os documentos de arquivo só vieram comprovar – facto que ainda hoje não deixou de me intrigar.

São inúmeros os exemplos destes meus mestres garimpeiros, tantos que é impossível enumerar. Muitos deles provenientes até da imaginação.

Tal como são inúmeros os mestres ourives que, a partir das pedras que lhes chegaram ou chegam às mãos se têm dedicado a minucioso polimento, com isso ajudando a entender os meandros do ofício de que falo: o Craveirinha, a Noémia, o Knopfli, o Luís Bernardo, o Mia, a Paulina, o Ungulani, o Patraquim, o White, o Suleiman. E, em particular, o jornalista e escritor João Albasini, que me levou pela mão a espreitar segredos antigos desta cidade, alguns dos quais este livro, indiscreto, revela.

Tantos são os mestres ourives que é pois também difícil enumerar. Estes e outros por esse mundo fora, que ao longo dos tempos e nos mais diversos lugares nos têm oferecido à leitura as suas jóias particulares. Porque é de leitura que falo, dado que é através dela que podemos chegar à miríade de brilhos e reflexos que de cada jóia emana.

Este livro, “O Olho de Hertzog”, que o júri do Prémio Leya resolveu premiar, conta uma história que curiosamente gira também ao redor de uma pedra. Uma pedra que eu – ourives não de primeira, mas de recente viagem – formalmente hoje devolvo ao lugar onde a fui buscar. Pretendo que o gesto seja um contributo no esforço de tantos mestres garimpeiros e ourives que se dedicam a levantar a parede – que já vai alta – da literatura moçambicana. Desejo também que essa parede seja parte integrante e importante daquilo a que podemos chamar simplesmente a Casa da Literatura.

João Paulo Borges Coelho

Maputo, 4 de Março de 2010
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Jesusalém

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